Nos últimos doze meses, várias mulheres jovens, em diferentes pontos do território brasileiro, perderam a vida quando buscavam atingir o padrão de beleza que elegeram como desejável.
Se nossa imprensa cultivasse o saudável hábito de ir além dos fatos do dia, já saberíamos o que motivou essas mulheres a correr tão grande risco em troca de uns quilos a menos ou de uns centímetros a mais.
Ainda hoje, entretanto, dedicamos mais tempo e espaço à morte que à vida. Se a jovem se submete a uma lipoaspiração e morre na mesa de cirurgia, é notícia por um dia. Não se discute a essência da questão, ou seja, a deformação cultural que faz com que tantas mulheres corram para o matadouro.
O certo é que uma sociedade na qual dois ou três quilos a mais e uns centímetros a menos produzem ansiedade tão doentia em jovens mulheres, a ponto de levá-las a tomar empréstimo em banco para morrer, está necessitada de cuidados urgentes.
Em poucos meses, médicos ambiciosos e/ou despreparados tiraram a vida das jovens Lanusse, Carla, Maria Aparecida, Elenice e Regiane, todas entre 26 e 33 anos de idade. Mas esses médicos não estavam sozinhos no açougue: ao lado deles, estávamos todos nós, testemunhas e cúmplices.
Sim, somos todos cúmplices imperdoáveis do preconceito que leva a sociedade a inventar denominações delicadas na superfície, mas ofensivas e mortais, em certos casos, para caracterizar pessoas como gordinhas, fofinhas ou cheinhas. Nós inventamos os motivos que levaram essas moças a pagar preço tão exorbitante por uma ilusão.
E esse nós inclui todo mundo: pais e mães, médicos, jornalistas, psicólogos, estilistas e produtores de moda, assim como os amigos, maridos ou namorados das vítimas. E fazem parte do bando milhares de meninas que cultivam e ajudam a disseminar a estética da morte.
Antes de chegarem às mãos dos médicos que lhes prometem beleza eterna, essas meninas que morreram "para emagrecer" foram vítimas de um linchamento moral, do qual participamos. Nós - os magros, esbeltos e inocentes - apontamos para elas o dedo acusador e as empurramos para o açougue da lipoaspiração e da mamoplastia.
Em silêncio ou com palavras escritas, fotografias e comentários na TV, dissemos que não eram normais, que não havia lugar no mundo para mulheres com seios tão pequenos ou ventre tão amplo. Sussurramos no ouvido delas que precisavam aumentar, diminuir, cortar e moldar. Em resumo, inventar um novo corpo.
Gritamos que, com o antigo corpo, inadequado e fora dos nossos padrões, jamais encontrariam homens que as fizessem felizes (se é que algum homem iluminado, neste planetinha, é capaz de "fazer" a mulher feliz).
Após esse massacre moral, as vítimas estavam prontas para acreditar no primeiro curioso de jaleco branco que encontrassem pela frente. E prontas para arriscar tudo - o dinheirinho contado, o empréstimo bancário, a saúde e a vida - em troca de um lugar em nosso mundo perfeito.
O massacre vai continuar. Neste exato momento, em sua casa ou na casa do vizinho, a próxima vítima deve estar contando as moedas para a última viagem. E, julgando que compra o amor, a alegria ou a discutível felicidade, estará adquirindo um bilhete sem volta para o nada.
Quanto a nós, os inocentes, ficaremos comovidos por uns minutos: o tempo exato que se leva para ler quinze linhas no jornal de amanhã.
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